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O projeto que desafia a soberania dos países amazônicos: o corredor triplo A

A rejeição do Corredor Triplo A uniu a direita e a esquerda brasileira. A direita rejeitou a realização da COP25 no Brasil em 2019, pois considerou o debate sobre o Corredor Triplo A como uma desculpa para perder a soberania na área.

O Corredor Triplo A (Andes-Amazônia-Atlântico), também conhecido como “Corredor Anaconda”, é uma iniciativa ecológica ambiciosa que busca conectar uma vasta região da América do Sul, que se estende dos Andes ao Atlântico, passando pela bacia amazônica. Esse projeto representa um desafio geopolítico à soberania da Venezuela, Brasil, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, cobrindo aproximadamente 136 milhões de hectares, o equivalente a um terço do território amazônico.

O principal argumento dos promotores do projeto é a criação de uma rede de áreas protegidas, terras indígenas e corredores ecológicos para preservar a biodiversidade e mitigar os efeitos das mudanças climáticas em uma das regiões mais cruciais para o equilíbrio ambiental global.

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O projeto foi idealizado pelo antropólogo colombiano-americano Martin von Hildebrand, fundador da ONG Gaia Amazonas. Von Hildebrand, que atualmente é secretário-geral da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), definiu a iniciativa como uma visão de conservação de longo prazo. Em 2015, o então presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, adotou oficialmente a proposta, promovendo seu endosso internacional e apresentando-a na COP21 em Paris como uma contribuição significativa para a luta contra as mudanças climáticas.

A proteção da Amazônia não é um conceito novo. No Brasil, a primeira reserva florestal foi criada em 1911; na Colômbia, em 1948, foi estabelecida uma em La Macarena; e na Venezuela, o Parque Nacional Canaima foi decretado em 1962. Essas e outras iniciativas lançaram as bases para um esforço maior, levando à criação da OTCA em 1978. No entanto, desde a década de 1980, no contexto da Guerra Fria, surgiu um debate sobre a Amazônia que desafia a soberania dos países envolvidos. Na década de 1990, aproximadamente um quarto dos 700 milhões de hectares da Amazônia já estava sob alguma forma de proteção, de acordo com a Rede Amazônica de Informações Socioambientais Georreferenciadas (RAISG).

O conceito do corredor foi consolidado após os compromissos assumidos na Cúpula de Paris (COP 21) em 2015, onde vários países latino-americanos (exceto Equador e Chile) se comprometeram a reduzir o desmatamento a zero. Von Hildebrand viu isso como uma oportunidade de articular uma iniciativa regional que conectaria os esforços nacionais anteriores, argumentando que o corredor “já estava praticamente pronto” em termos de áreas protegidas existentes.

Esse corredor envolve 385 comunidades indígenas e afeta direta ou indiretamente cerca de 30 milhões de pessoas. Em termos territoriais, o Brasil contribuiria com 62% da área (aproximadamente 84 milhões de hectares), a Colômbia com 34% (46 milhões de hectares) e a Venezuela com os 4% restantes (5,4 milhões de hectares), com cinco outros países contribuindo em menor escala, mas sendo igualmente importantes devido à sua localização estratégica.

O discurso da mudança climática é o principal argumento para o desenvolvimento desse projeto. Além disso, seus promotores afirmam que a iniciativa visa promover a autogestão das comunidades indígenas, integrando-as à conservação e reconhecendo seu papel como guardiãs da floresta. No entanto, essa postura tem se mostrado contraditória diante de certos fatos, como os ocorridos na Raposa Serra do Sol, no Brasil, onde as comunidades indígenas denunciam a falta de serviços públicos e oportunidades devido à implementação desse tipo de agenda.

Martin von Hildebrand tem insistido que o Corredor Triplo A não coloca em risco a soberania dos países envolvidos. Em uma entrevista ao Observatório do Clima (2018), ele rejeitou as acusações de que o projeto está ligado a agendas estrangeiras ou a negociações climáticas da ONU, afirmando: “Está claro que não tem nada a ver com afetar a soberania. Cada país está sendo convidado a agir de acordo com suas próprias políticas e leis”. Segundo ele, a iniciativa busca conectar ecossistemas, não impor uma autoridade supranacional, e respeita as decisões soberanas de cada Estado. No entanto, em entrevista à Folha de São Paulo (2019), Hildebrand afirmou que “soberania não é isolamento; soberania é solidariedade” e destacou que, diante da resistência de alguns governos, há “uma aliança de ONGs de todos os países, um sistema de tomada de decisão e um plano estratégico”.

No Brasil, já houve reclamações declarando que essa iniciativa é uma ameaça à soberania nacional. Segundo o general Eduardo Villas Bôas, os 136 milhões de hectares poderiam se tornar uma zona de influência estrangeira. Alguns especialistas em geopolítica sugerem que os países mais envolvidos nesse projeto são os da Aliança do Atlântico Norte, que, em um cenário de guerra nuclear, veriam o Brasil como sua zona de retaguarda. Nesse contexto, o território do corredor Triple A serviria como um “tampão” para garantir o domínio territorial da aliança sobre o Brasil. Esse espaço, que em grande parte coincide com o Corredor Triplo A, não deveria ser habitado ou desenvolvido, mas “protegido”. É possível que o argumento de “proteger a Amazônia” seja uma fachada para a realização de um projeto que visa à hegemonia da OTAN no Atlântico Sul?

A rejeição do Corredor Triplo A uniu a direita e a esquerda brasileiras. A direita rejeitou a realização da COP25 no Brasil em 2019, pois considerou o debate sobre o Corredor Triplo A como uma desculpa para perder a soberania na área. Pela esquerda, há quem chame o projeto de “verdadeira ocupação”, apontando que ele poderia isolar o norte do Brasil e facilitar a intervenção de potências estrangeiras, como Estados Unidos, Inglaterra ou França. As reclamações sugerem que a proposta de autogestão indígena poderia ser manipulada por interesses estrangeiros, fragmentando a região e enfraquecendo o controle estatal.

Em contraste com o ex-presidente Jair Bolsonaro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs que o Brasil sediasse a COP 30, programada para 2025 em Belém. É provável que o Corredor Triplo A seja uma questão fundamental nessa conferência, pois alguns defendem seu objetivo de combater o desmatamento e cumprir os compromissos do Acordo de Paris, enquanto outros o percebem como uma ameaça à soberania dos países amazônicos. Entretanto, dada a crescente impopularidade de seu governo e a forte resistência interna, o Brasil parece não ter as condições necessárias para exercer a liderança ambiental no evento.

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