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Comportamento

O “peso” do tempo

Ao preparar-me para escrever estas linhas, dentro da Oitava de Páscoa deste ano, deparei-me com um sermão de São Bernardo de Claraval – “Na Ressurreição do Senhor” –, onde o santo abade afirma que “em uns, Cristo ainda não nasceu, em outros não morreu, e em outros ainda não ressuscitou.” (Sermão 4). Que conselhos Bernardo quis dividir conosco em seu Sermão? Continuando a ler, percebemos que o abade de Claraval vai, aos poucos, num primoroso raciocínio, descortinando o seu ensinamento, fazendo notar que o Cristo manifesta-se em nós em graus e intensidade diferentes, conforme nossa maior ou menor capacidade de compreensão do Seu mistério. Para minha própria surpresa, ao ler o trecho citado acima, ocorreu-me que poderiam as mesmas palavras ter sido escritas com um propósito diferente. Indaguei-me, tentando imaginar outro tema que pudesse encaixar-se naquelas palavras, e surgiu-me um: o tempo. Assim, se “em uns Cristo ainda não nasceu”, em que tempo haverá de, neles, morrer e ressuscitar? E se eles, alienados, não perceberem que já é o tempo?

O tempo é importante, é caro, é valioso. Se nossa vida consistisse apenas em consumi-lo, em gastá-lo, que desperdício seria ela então… Pergunte a um condenado à morte se o tempo é precioso? Não daria ele todas as riquezas que possuísse, não sofreria ele outros tantos tormentos nesta vida se isso comprasse mais um ano, mais um dia, mais uma hora?

O que fazer então com o tempo, que, inexorável e fatal, passa? Desejar a longevidade, para ter mais tempo? Ora, o Livro da Sabedoria nos diz: “Velhice venerável não é longevidade, nem é medida pelo número de anos; as cãs (= cabelos brancos) do homem são a inteligência e a velhice, uma vida imaculada” (Sb 4,8-9). Os “mestres da modernidade” nos dizem que precisamos usar nosso tempo para emagrecer, promover protestos, conectar-nos à Internet e salvar as baleias. Mas, e quanto à inteligência e à vida imaculada? Ah, para eles isso não é essencial ao “bem comum”, como se esse “bem comum” fosse um ente material, a ser cultuado e servido. Há algo de “comunismo” nisso, não? Enfim, o tempo, medido em si mesmo por horas, dias e anos, é quase nada; porém, considerado como meio de chegar à eternidade, ao gozo de Deus pela graça, é de um valor inestimável. O tempo é um “elixir” medicamentoso para muitos assuntos particulares. O tempo aplaca a ira, a impaciência e a concupiscência. O tempo descobre os segredos e põe às claras a verdade oculta. O tempo dá-nos experiência, conselhos, prudência. E, aos que detestam a velhice, eu diria: alegrem-se quando ficarem velhos, pois isso significa que vocês foram ricos de tempo. Em sua eloquência, ensinava Cícero: “Objetar-me-ão que os velhos não sentem mais tão intensamente aquela espécie de cócegas que o prazer proporciona. É verdade, mas eles tampouco sentem falta disso. Não se sofre por ser privado daquilo de que não se tem saudades.” (“Saber Envelhecer”, A felicidade da partilha).

Não pensemos que a quantidade de anos vividos, por si só, é suficiente para enxergarmos bem. Em alguns casos, é melhor “pesar” o tempo do que contá-lo em anos. Santa Teresinha do Menino Jesus viveu 24 anos sobre esta Terra, enquanto Pol Pot, o ditador sanguinário do Camboja, viveu 72 anos. Assim, é traiçoeiro o discurso de quem estima a quantidade de tempo vivido, mas em tudo colabora para que esse tempo seja preenchido com presunção, cólera, disparate, ociosidade, prazeres efêmeros, contendas, especulações e futilidades, desconsiderando a existência do espírito no homem. Mais tempo só é melhor se for mais bem aproveitado, se dele se fizer bom uso; caso contrário, se um acréscimo de tempo só servir para nos levar à perdição eterna, é melhor que não o tenhamos. Quem de nós, porém, sabe quanto tempo viverá sobre esta Terra? Assim, façamos como São Paulo, que diz: “esquecendo o que fica para trás, lanço-me para o que está à frente. Lanço-me em direção à meta, para conquistar o prêmio que, do alto, Deus me chama a receber, em Cristo Jesus”. (Fl 3,13-14).

Ensinando em parábolas, Nosso Senhor nos revela o que muitos ouvirão ao final desta vida: “Que é isso que ouço dizer de ti? Presta contas da tua administração, pois já não podes ser administrador!” (Lc 16, 2). Tudo aquilo que o homem faz para gastar o tempo vai-se embora e passa, juntamente com o próprio tempo; diante de Deus, porém, não passa, permanece. São Paulo nos adverte: “ficai bem atentos à vossa maneira de proceder, não como estúpidos, mas como sábios, que bem aproveitam o tempo presente, pois estes dias são maus.” (Ef 5,15-16). São Bernardo, ainda “Na Ressurreição do Senhor”, ensina que “os amantes do mundo e os inimigos da cruz de Cristo em vão levam o nome de cristãos, suspiram toda a Quaresma pelo dia de Páscoa, para entregarem-se, desenfreados, ao prazer.” (Sermão 1). Não sejamos medíocres, sejamos santos! Sim, porque os santos são ativos, fazem a sua parte, preparam o terreno, limpam a casa e consertam os estragos.

Se te deres conta de que empregaste mal o teu tempo, não simplesmente senta e chora. Vai em busca da solução para o problema, recorda que “para Deus tudo é possível” (Mt 19,26)! Por nossa natureza, podemos ser levados a nos mostrar irritáveis, deprimidos, mesquinhos, críticos, ou egoístas; como cristãos, porém, não temos o direito à “passividade” nesses casos. Pelo contrário, temos a obrigação de, aproveitando bem o nosso tempo, conhecer os próprios defeitos e não satisfazer as necessidades deles. Deixa que a ira, a inveja, a tristeza e a ansiedade morram de fome! Por outro lado, alimenta bem, revigora e nutre com fartura a coragem, a esperança, a paciência e a generosidade! Se te sentes morto, então é tempo propício para pedir a Deus por ressurreição, e se pedires Ele te atenderá, fazendo Cristo ressuscitar em ti.

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