A aprovação da lei marcial coloca em evidência os conselhos que Yoon recebeu de figuras descritas como “falcões”, como o ministro da Defesa Nacional, Kim Yong-hyun (que se ofereceu para renunciar depois que o Parlamento aprovou hoje uma votação para demiti-lo) e seu conselheiro de Segurança Nacional (e ex-ministro da Defesa), Shin Won-sik, que também colocou seu cargo à disposição do presidente, juntamente com meia dúzia de outros conselheiros.
Seul, 4 dez (EFE)- A decisão do presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, de ativar a lei marcial surpreendeu até os meios de comunicação locais e especialistas políticos. Tudo aponta para uma manobra confusa ligada mais à sobrevivência política do que à necessidade de salvaguardar a segurança nacional, que também promete ter graves consequências para o impopular presidente.
Estas são algumas peças que podem ajudar a montar um intrincado puzzle intimamente ligado à situação política interna e que parece não ter nada a ver com a ameaça representada pela Coreia do Norte ou com o perigo representado pela forte aproximação entre Pyongyang e Moscovo.
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Uma lei para tempos de guerra
A primeira reação de todos os residentes da Coreia do Sul foi reviver a amarga memória das ditaduras militares entre os anos sessenta e oitenta e não compreender como uma lei concebida para emergências militares ou nacionais poderia ter sido invocada pela primeira vez numa democracia quando nenhum desses requisitos foi atendido.
A lei, que pode ser revogada pela Assembleia Nacional – algo que os parlamentares conseguiram fazer apenas duas horas após sua ativação – busca suspender atividades políticas, controlar a mídia ou permitir prisões sem mandados em nome da “manutenção da lei e da ordem”.
Yoon argumentou no seu anúncio que a oposição política estava realizando atos “anti-Estado” e agindor como uma força “pró-Norte-Coreana” que colocava em perigo a estabilidade e o funcionamento normal do Estado.
A acusação norte-coreana
A declaração de Yoon fez soar o alarme entre a maioria dos sul-coreanos, que não viam em lado nenhum a relação entre a oposição levada a cabo pelo liberal Partido Democrático (PD) com o apoio ao regime de Kim Jong-un ou o desejo de destruir o Estado.
Pouco depois do anúncio da medida, os meios de comunicação social sul-coreanos destacaram o que tinha acontecido horas antes na Assembleia Nacional – o PD, com maioria no Parlamento, tinha apresentado uma proposta de orçamento geral fraco para 2025 – e começou a juntar algumas peças.
Na segunda-feira, o PD também conseguiu apresentar moções para demitir membros do gabinete do procurador-geral do estado por não processarem a primeira-dama Kim Keon-hee, apesar das suspeitas de que ela manipulou ativos de ações há mais de dez anos, bem como ao chefe do órgão de auditoria das contas do Estado, Choe Jae-hae, pela sua recusa em fornecer documentos sobre a controversa e milionária transferência do Gabinete Presidencial em 2022.
Considerando que o índice de popularidade de Yoon – que foi severamente enfraquecido depois que as eleições parlamentares de abril aumentaram muito a maioria parlamentar da oposição – foi de apenas 25%, de acordo com as pesquisas do fim de semana, a maior parte do país vê o decreto da lei marcial como uma tentativa desesperada e complicada de sobreviver no poder.
O duvidoso papel do exército
A aprovação da lei marcial coloca em evidência os conselhos que Yoon recebeu de figuras descritas como “falcões”, como o ministro da Defesa Nacional, Kim Yong-hyun (que se ofereceu para renunciar depois que o Parlamento aprovou hoje uma votação para demiti-lo) e seu conselheiro de Segurança Nacional (e ex-ministro da Defesa), Shin Won-sik, que também colocou seu cargo à disposição do presidente, juntamente com meia dúzia de outros conselheiros.
O episódio mais uma vez traz à tona a inclinação perturbadora de certos setores militares do espectro político para fazer uso de leis de emergência nacional ou planejar sua possível implementação, como também aconteceu durante a administração da deposta Park Geun-hye, que governou entre 2013 e 2017.
A possibilidade de que existam elementos militares ainda ligados à noção de que a Coreia do Sul é um país que precisa de mão de ferro, apesar de ser reconhecida como uma democracia vibrante e saudável e uma economia que está entre as maiores e mais dinâmicas do mundo, promete trazer ventos contrários e até mesmo degenerar em expurgos.
Isso enfatiza ainda mais a necessidade de o país legislar salvaguardas para evitar o uso arbitrário de tais leis, apesar de estar oficialmente em guerra com o Norte.
Os efeitos para o país
A consequência mais imediata para Yoon é que ele enfrentará uma votação de impeachment no parlamento no final da semana, depois que a oposição apresentou uma moção para destituí-lo do cargo hoje.
Considerando que o presidente de seu próprio partido, o People’s Power Party (PPP), condenou a declaração da lei marcial e que vários de seus parlamentares votaram na quarta-feira para revogá-la, é de se esperar que a oposição reúna o apoio de apenas oito assentos no bloco governista, necessários para alcançar uma maioria de dois terços para destituir Yoon do cargo.
O primeiro-ministro, Han Duck-soo, assumiria o cargo de chefe de estado e de governo interino, enquanto Yoon teria que esperar que o Tribunal Constitucional – que tem um prazo máximo de 180 dias após o impeachment parlamentar para emitir uma decisão – decidisse se o presidente violou ou não a Carta Magna ao aprovar a lei de emergência.
Por sua vez, o episódio promete ter, pelo menos a curto prazo, efeitos negativos sobre o país, manchando sua imagem de nação estável e de ator diplomático próspero, e sobre a confiança dos investidores na economia e na moeda sul-coreanas, apesar de a maioria do espectro político e da sociedade civil ter dado uma lição de maturidade democrática nas primeiras horas da manhã de quarta-feira. EFE