Escândalos envolvendo corrupção, tráfico de influência e nepotismo com a participação de agentes políticos sem qualificações aparentes enterraram a narrativa de pureza ideológica. Essa esquerda, desgastada por sua própria ineficácia e falta de integridade, equiparou suas práticas às da “velha política” que jurou banir, gerando uma profunda e generalizada desilusão que permeia todas as camadas sociais.
A atual eleição presidencial no Chile se desenrola não sob a bandeira da renovação esperançosa, mas sim na atmosfera opressiva da fadiga democrática. Os cidadãos, agora compelidos a votar, enfrentam uma disputa que é mais uma ladainha de frustrações passadas do que uma promessa genuína de futuro. Esse clima de desgaste é consequência direta de um ciclo político exaustivo e estéril que começou com a violência contra o Estado em 2019, prosseguiu com dois processos constitucionais fracassados e culminou em uma avalanche de escândalos de corrupção e deterioração institucional.
O diagnóstico, por mais que seja suavizado, é contundente e aponta para o cerne da elite atual. A geração que ascendeu ao poder prometendo “mudar tudo” após os eventos de 2019 colheu, em vez disso, a imagem de um Estado paralisado e, pior ainda, moralmente corroído. Um país sem bússola e sem a preocupação de seus líderes, que estão mais imersos em disputas internas do que em tentar concluir o restante de seus mandatos com alguma dignidade.
Escândalos envolvendo corrupção, tráfico de influência e nepotismo com a participação de agentes políticos sem qualificações aparentes enterraram a narrativa de pureza ideológica. Essa esquerda, desgastada por sua própria ineficácia e falta de integridade, equiparou suas práticas às da “velha política” que jurou banir, gerando uma profunda e generalizada desilusão que permeia todas as camadas sociais.


O triunfo da questão única e a governança mantida como refém
Nesse vácuo de credibilidade, a disputa eleitoral foi dominada pelo foco exclusivo em migração e segurança, que funcionam como a moeda de troca mais eficaz, gerando o conteúdo mais viral, o maior número de curtidas e posicionando o candidato com a abordagem mais linha-dura como o mais eficiente. Esse processo eleitoral nada mais é do que a consagração do marketing político em detrimento da capacidade de governar. O problema da migração e da criminalidade são, de fato, tragédias reais e sufocantes que exigem soluções complexas e imediatas; no entanto, durante as campanhas, são simplificados em slogans de “tolerância zero” que oferecem ganhos políticos imediatos. O foco no controle e no punitivismo, que gerou um consenso transversal da esquerda à direita, demonstra como o voto de urgência ofusca os debates estruturais sobre crescimento econômico, previdência e saúde que os cidadãos esperam. Sim, o problema da segurança pública e do narcotráfico é avassalador e uma questão de segurança nacional, mas há outros temas de interesse também.
Pior ainda, esse clima de polarização é alimentado pela ameaça velada de um setor: o alerta para “voltar às ruas” caso a direita vença. Essa retórica transforma a governança em um conceito condicional, onde as instituições democráticas se tornam reféns dos resultados eleitorais. A posição estabelecida é priorizada em detrimento do compromisso, aprofundando a divisão nacional.
De votações tediosas à liderança de botas
O resultado dessa dinâmica só pode ser um eleitorado que está mais do que simplesmente cansado da democracia como sistema; está farto da qualidade das suas opções, não há uma nova geração de líderes e nenhuma esperança no horizonte. O retorno ao voto obrigatório mascara o nível de participação, mas não o sentimento subjacente: as pessoas votam com desdém, escolhendo o “mal menor”.
Os eleitores, cansados da paralisia e da deliberação estéril, estão dispostos a trocar a busca por consenso por eficácia tangível. Esse realismo cívico se reflete nas pesquisas (ICSO UDP), onde os cidadãos priorizam problemas urgentes (criminalidade 63%, migração 43%) e buscam líderes que garantam honestidade (44%), firmeza (43%) e, principalmente, pulso firme (38%).
A próxima liderança terá, portanto, uma missão dupla e urgente: primeiro, restabelecer a ordem por meio de uma gestão imediata e confiável da segurança e da economia; segundo, reconstruir a confiança institucional a longo prazo. O Chile já demonstrou sua capacidade de canalizar suas divisões por meio de eleições. A esperança reside precisamente nessa maturidade: que a pressão pública por integridade e governança eficaz obrigue o próximo presidente a deixar de lado o marketing e governar com uma serenidade estratégica que ouse unir um país que precisa tanto de paz quanto de progresso.
O próximo líder do Chile não tem a missão de prometer o paraíso, mas sim de gerir a frustração nacional com dignidade e firmeza. O país não precisa de mais um influenciador político adepto dos slogans da moda, nem de um homem forte que aprofunde a divisão, nem de um presidente que constantemente faz birras por qualquer coisa e se enfurece com sua equipe diante de todos na televisão nacional. O que se precisa é de um estadista de botas de trabalho que, olhando além do ciclo eleitoral de quatro anos, se comprometa a neutralizar a ameaça da ingovernabilidade e a restaurar o valor da governança honesta e eficaz no debate público. Só então a “fadiga democrática” poderá ser transformada no ímpeto necessário para reconstruir a confiança cívica. Como diria alguém que conheço: “Não precisamos de poesia, precisamos de ação.”