Ex-funcionário do Tesouro afirma que o grupo terrorista usa redes na Venezuela, Colômbia e Brasil para financiar atividades.

O Caucus do Senado dos Estados Unidos sobre Controle Internacional de Narcóticos realizou nesta terça-feira (21) uma audiência para examinar as operações de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro do Hezbollah na América Latina. O depoimento principal foi prestado por Marshall Billingslea, ex-Secretário Adjunto para o Financiamento do Terrorismo e Crimes Financeiros do Tesouro americano, que afirmou que o grupo libanês “opera as atividades financeiras mais abrangentes e diversificadas de todos os tempos fora do Oriente Médio”.

Segundo Billingslea, o Hezbollah consolidou presença na região há décadas, aproveitando-se da “fraca governança local, corrupção e comunidades da diáspora simpáticas” para estabelecer células em países como Colômbia, Paraguai, Brasil e Venezuela. Ele lembrou que os primeiros atentados do grupo fora do Oriente Médio ocorreram na Argentina, com os ataques de 1992 e 1994 — este último, contra a AMIA, deixou 114 mortos.

“O Hezbollah está presente há muito tempo em nosso hemisfério. Suas primeiras cabeças de ponte foram na Colômbia e no Paraguai”, afirmou o ex-funcionário. “Com o tempo, esse modelo de negócio se expandiu para o Brasil.”

Entre as redes mencionadas por Billingslea estão os clãs Barakat, Asfour e Hijazi, envolvidos em lavagem de dinheiro baseada em comércio, especialmente através de lojas de eletrônicos e dispositivos móveis. O ex-funcionário citou investigações americanas que identificaram movimentações de até 50 milhões de dólares através dessas estruturas.

Cocaína disfarçada de carvão

Billingslea detalhou ainda o esquema de tráfico de cocaína disfarçada de carvão vegetal, conhecido como “cocaína preta”. Segundo ele, essa rota foi usada por Ali Issa Chamas, preso em 2016 em Ciudad del Este, e por Hassan Mohsen Mansour, acusado nos Estados Unidos por vínculos com o Hezbollah.

“O carvão vegetal agora está sendo usado também para contrabandear maconha, metanfetamina e Captagon”, declarou, referindo-se a dados da pesquisadora Aurora Ortega. “Até 2018, cerca de um terço dos fundos do Hezbollah poderiam vir da América Latina — talvez até 200 milhões de dólares por ano.”

Venezuela: novo centro das operações

O testemunho também destacou a emergência da Venezuela como centro de operações do Hezbollah. Billingslea afirmou que, sob Hugo Chávez e Nicolás Maduro, o regime venezuelano “abriu as portas ao Hezbollah”, permitindo-lhe estabelecer locais de treinamento paramilitar e redes de falsificação de documentos.

O ex-funcionário relatou que passaportes venezuelanos foram concedidos a milhares de pessoas do Líbano, Síria e Irã, incluindo agentes do Hezbollah. “Funcionários do regime forneceram passaportes a mais de 10 mil pessoas desses países entre 2010 e 2019”, disse, citando dados de opositores venezuelanos. Ele acrescentou que Tareck El Aissami, ex-vice-presidente e ex-ministro do Interior da Venezuela, “foi peça central no fornecimento de identidades falsas”.

“Sob Maduro, a amplitude e a profundidade da presença do Hezbollah na Venezuela expandiram-se dramaticamente, assim como seus laços com o narco-terrorista Cartel de los Soles”, afirmou.

“A América Latina tornou-se essencial”

Billingslea concluiu o depoimento com um alerta: a deterioração da infraestrutura do Hezbollah no Líbano e as sanções contra o Irã podem levar o grupo a concentrar suas operações no continente americano.

“Com sua infraestrutura libanesa em ruínas e o financiamento iraniano em dúvida, acredito que o Hezbollah fará uma mudança drástica para a América Latina”, disse. “A região pode se tornar um refúgio seguro para alguns dos terroristas estrangeiros mais perigosos do mundo.”

O ex-secretário agradeceu ao Senado pela oportunidade de testemunhar e disse estar “à disposição para colaborar na formulação de novas medidas de combate ao narcoterrorismo na região”.