Lula já afirmou que está disposto a abrir novos mercados para exportar produtos brasileiros que hoje vão aos Estados Unidos. Deixou claro nas entrelinhas que conta com a China para isso. Mas será que aos Estados Unidos interessa empurrar o Brasil ainda mais para os braços da China ou seria mais sensato oferecer incentivos para uma reaproximação?
O “Tarifaço”, como foi apelidada pela opinião pública brasileira a medida do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que impõe uma tarifa de 50% sobre todas as importações provenientes do Brasil, desencadeou um terremoto político que está reconfigurando o cenário interno. Antes dessa decisão, a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já apresentava uma tendência de queda, reflexo das consequências negativas de seu terceiro mandato. Seu governo enfrentava dificuldades para manter a coesão interna, e a posição internacional do Brasil beirava a irrelevância. Paralelamente, as forças de oposição ganhavam terreno, consolidando alianças com vistas às eleições de 2026, com o objetivo de formar um Congresso majoritário e lançar uma candidatura presidencial unificada, capaz de reverter muitas das medidas impopulares adotadas pela atual administração.
A pressão externa exercida pelos Estados Unidos exige agora um reposicionamento estratégico, analisando os elementos que originaram a situação atual e compreendendo a matriz das reações em curso, a partir de uma premissa fundamental: a realidade dos fatos.


Há um interesse particular dos EUA sobre o Brasil?
Desde a Guerra Fria, os Estados Unidos consideram o Brasil como parte de sua retaguarda estratégica. Intelectuais brasileiros desenvolveram teorias segundo as quais, em caso de uma guerra nuclear global, os sobreviventes seriam os verdadeiros vencedores. Nesse cenário, o hemisfério norte — América do Norte, Europa e Eurásia — seria devastado, enquanto regiões como a América do Sul e partes da África permaneceriam relativamente intactas.
Com base nessa visão, os EUA teriam interferido politicamente na região desde os anos 1970, inclusive após a queda do Muro de Berlim, com iniciativas como impedir o desenvolvimento do território ao norte do rio Amazonas e promover a construção de bases militares na América do Sul. Essa estratégia talassocrática se complementa com a expansão da chamada “onda evangélica” na Hispano-América, especialmente no Brasil, o que reforça a ideia de um interesse geopolítico profundo por parte das elites americanas — para além da figura de Trump — especialmente diante do avanço da influência chinesa no chamado “Império do Sul”.
Focando no cenário atual, os dados comerciais demonstram que a balança favorece os Estados Unidos, o que contradiz o argumento apresentado por Trump em sua carta publicada nas redes sociais, em que alega que a relação econômica seria desfavorável ao seu país.
O abuso de poder do regime brasileiro
O ex-presidente Jair Bolsonaro enfrenta múltiplos processos judiciais que têm como objetivo levá-lo à prisão. Assim como Trump, ele foi vítima de uma tentativa de assassinato e atualmente está inelegível por decisão do Poder Judiciário. Seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, está exilado nos Estados Unidos e atribuiu publicamente a si próprio as articulações que resultaram no Tarifaço. Também estão nos EUA os jornalistas Allan dos Santos e Paulo Figueiredo, perseguidos de forma contundente pelo STF por suas críticas a Alexandre de Moraes.
A perseguição, no entanto, vai além. Outros comunicadores, como Oswaldo Eustáquio — que foi torturado e ficou paraplégico — também estão exilados. Políticos como Roberto Jefferson e Daniel Silveira estão presos, assim como mais de 2.000 pessoas consideradas presos políticos após os eventos de 8 de janeiro.
O autoritarismo do governo também se expressa na tentativa de censurar as redes sociais, responsabilizando as plataformas pelo conteúdo publicado por seus usuários. Alexandre de Moraes entrou em confronto direto com Elon Musk, proprietário do X (antigo Twitter), que no passado apoiou Trump e atualmente promove a criação do “America Party”, em oposição à atual administração.
Na carta enviada a Lula, Trump exigiu o fim imediato da perseguição à oposição, e esse posicionamento tem sido interpretado como uma condição para suspender o Tarifaço. A esse respeito, durante uma entrevista à ABC, Kevin Hassett, diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, não conseguiu explicar sob qual autoridade foram impostas as tarifas, considerando que a relação comercial favorece os EUA há mais de 18 anos. De maneira vaga, afirmou que as ações do STF representam uma ameaça à segurança nacional, justificando a medida. Sendo assim, cabe perguntar: até que ponto o Tarifaço serve aos interesses nacionais brasileiros e até onde ele beneficia interesses estrangeiros?
Os atores políticos brasileiros diante do Tarifaço
Um dos argumentos a favor do Tarifaço sustenta que a medida pode rachar a relação entre Lula e os ministros do STF. Nesse contexto, especula-se que forças internas do governo poderiam sacrificar Lula ou Alexandre de Moraes em troca da suspensão das tarifas. Fala-se até mesmo em uma eventual mesa de negociação que leve a três condições: uma anistia geral e irrestrita, o fim da perseguição liderada por Moraes e a garantia das liberdades individuais — especialmente a liberdade de expressão — por meio de mecanismos legais.
Eduardo Bolsonaro solicitou publicamente a Trump e a Marco Rubio a aplicação da Lei Magnitsky contra os ministros do STF. Ele afirmou que Trump entendeu que Alexandre de Moraes não age sozinho, mas “conta com o apoio do establishment político, empresarial e institucional”. Por isso, as tarifas teriam como objetivo responsabilizar todo esse sistema pelos custos do autoritarismo. Já em análises anteriores, destaquei a possibilidade de sanções individuais contra violadores de direitos humanos. No entanto, quando buscamos entender quais setores empresariais sustentam esse autoritarismo, surge a pergunta: quem são eles?
Diversos setores, como o industrial e o do agronegócio, manifestaram repúdio ao Tarifaço, alegando que não têm envolvimento com os atos autoritários. Em especial o agronegócio, que já foi atacado diversas vezes pelo governo Lula. Aqueles que defendem o Tarifaço consideram que essa indignação deve ser canalizada contra Alexandre de Moraes, pressionando Brasília por sua destituição.
Por outro lado, há setores que acreditam que o regime pode reagir com mais coesão. Nesse cenário, o governo, junto ao Congresso e ao STF, poderia aplicar medidas legais de reciprocidade. Trump já avisou que, se isso ocorrer, aumentará ainda mais os encargos tarifários.
Para onde caminha o Brasil?
Faltando 15 meses para as eleições presidenciais e legislativas, alguns setores que apoiam o Tarifaço defendem que o Brasil já não pode mais ser considerado uma democracia. Se essa premissa for verdadeira, surge a pergunta: a oposição participará das eleições de 2026 ou defenderá a abstenção, apesar do crescimento do Partido Liberal e de outras forças de oposição nas eleições municipais de 2024? Qual seria o impacto de uma eventual abstenção na base política da oposição? Estariam dispostos a abrir mão dos espaços de poder conquistados em todo o país para iniciar outro tipo de luta? E, afinal, que luta seria essa, se não for política?
Até agora, não houve manifestação pública das Forças Armadas sobre o Tarifaço. Mas vale perguntar: como elas percebem essa situação, além do descontentamento interno com o governo Lula? Como vender politicamente a proposta de uma submissão estratégica temporária frente à defesa ativa da soberania nacional?
Lula já afirmou que está disposto a abrir novos mercados para exportar produtos brasileiros que hoje vão aos Estados Unidos. Deixou claro nas entrelinhas que conta com a China para isso. Mas será que aos Estados Unidos interessa empurrar o Brasil ainda mais para os braços da China ou seria mais sensato oferecer incentivos para uma reaproximação?
Por enquanto, não está claro se a oposição conseguirá manter-se unida após 1º de agosto, quando o Tarifaço entra em vigor. Em contrapartida, é mais provável que o oficialismo se mantenha coeso, apostando no desgaste interno do país como estratégia para permanecer no poder.
Nesse contexto, a democracia não parece ser uma prioridade para as elites que governam. O que importa é manter seus privilégios. Por isso, ainda que pareça cedo para projeções definitivas, não seria surpreendente que o país entre em uma fase de crise e caos controlado pelo governo, que facilite o avanço de um autoritarismo mais consolidado. Nesse cenário, a oposição — que será rotulada como “radical” — pode ser empurrada para o exílio ou para a prisão, sendo também associada a uma eventual perda de popularidade pela ausência de resultados concretos após o 1º de agosto. Ao mesmo tempo, pode-se incentivar uma oposição moderada, que ocupe espaços de poder e estabeleça novos acordos com o regime, sacrificando o bolsonarismo e vendendo uma falsa “estabilidade” como vitória de curto prazo.
Tudo isso em um ambiente cismogênico, alimentado por uma guerra cultural com matriz exógena, alheia às expectativas nacionais por um projeto comum de país.
Se antes o regime se recusava a permitir que Bolsonaro fosse candidato em 2026, agora talvez tenha ainda mais motivos para radicalizar sua posição e manter “reféns” políticos como forma de preservar sua sobrevivência. Tal como o chavismo fez na Venezuela — e ainda faz —, resistindo mesmo diante de sanções e da pressão internacional.