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AVIBRAS e a China: mais uma tragédia brasileira

Artigo de Leandro Gouveia especial para o PHVox

O assunto que está em alta nos meios ditos “da direita” no momento tem sido a possível venda de 49% da AVIBRAS para estatal chinesa NORINCO (China North Industries Group Corporation Limited). São diversas as implicações que este processo possui, mas a intenção aqui é tratar de alguns aspectos os quais continuam fora do debate.

Primeiramente vamos aos atores.

A NORINCO é uma estatal chinesa de defesa, fundada em 1980, fabrica munições, armas de baixo calibre, além de componentes para drones, entre outros equipamentos de finalidade bélica. O jornalista Larry Kaner, em seu livro “AK47, A Arma Que Mudou História da Guerra”, estima que a maioria dos fuzis AK47 em circulação no planeta, tenha sido produzidos pela NORINCO e não por fabricantes russos. A NORINCO fornece armas, munições, peças de drones e coletes balísticos para a Rússia, que estão sendo utilizados na invasão da Ucrânia. Um fator importante é que a empresa recebeu sanções do Governo Americano durante a administração de Donald Trump (2017–2021).

A AVIBRAS, por sua vez, é uma empresa brasileira fundada em 1961 por engenheiros recém-formados do ITA que tinham na época por objetivo desenvolver uma aeronave de treinamento para a Aeronáutica. Hoje a AVIBRAS é especializada em desenvolvimento de sistemas de mísseis terra-ar, ar-solo, superfície-superfície, além de foguetes para artilharia, o que vinha sendo o carro chefe da empresa com os sistemas Astros 2020. A empresa também produz veículos blindados.  

Atualmente a AVIBRAS está em processo de recuperação judicial, sendo que o pedido foi protocolado em 2022 e autorizado em 2023. A direção da AVIBRAS alegou que a pandemia do COVID19 impediu reuniões presenciais com clientes — nesse setor de defesa há muito sigilo e as reuniões de negócios são quase sempre presenciais — o que teria afetado as finanças da empresa. Justamente neste ponto que entra a questão: a maioria da produção da AVIBRAS, cerca de 89%, é destinada à exportação, vários itens do portifólio da empresa são exclusivamente para este fim. Atualmente são desenvolvidos projetos dos quais as FFAA brasileiras não possuem interesse.

Este desinteresse é justamente a questão a qual não está em debate que creio ser de suma importância.

A indústria bélica de qualquer país é forte ou existe apenas na base de exportações. De certo modo isso é até contraproducente, por isso a indústria bélica brasileira é irrelevante e vive a beira da extinção. O Estado brasileiro não faz pedidos e/ou investimentos suficientes para que se possa manter uma indústria bélica ativa e em desenvolvimento, isso porque os próprios militares não têm interesse na defesa do país. A instituição Exército Brasileiro como conhecemos hoje é uma organização revolucionária que não tem por objetivo a defesa do território nacional, mas sim a manutenção do processo subversivo em curso atualmente. A pergunta “qual a função das FFAA?” tão óbvia, ainda é feita pelos militares que até o momento não tem uma resposta precisa para ela — mas isso é outro assunto o porquê disso poderá ser abordado mais a fundo no futuro — o fato chocante é que o Exército não está interessado em defesa do território nacional por meio bélico militar.

Atualmente, a situação da AVIBRAS tem muitas semelhanças com a da extinta ENGESA que foi uma empresa brasileira fabricante de veículos blindados e tanques, também sediada na mesma região que a AVIBRAS. A ENGESA possuía a maioria da sua produção voltada para exportação, com um detalhe, assim como a AVIBRAS, a ENGESA exportava para países latino-americanos, árabes e asiáticos, cujos governos e/ou regimes são no mínimo questionáveis. Por exemplo: na guerra dos Seis Dias foi empregado largamente veículos da ENGESA pelos países árabes contra Israel.

A falência da ENGESA se deu por conta de um dispendioso projeto de tanque, o EET-1 Osorio, projetado especialmente para Arabia Saudita, a qual no fim não adquiriu nenhuma unidade do tanque. Com as contas em xeque, a ENGESA tentou vender o tanque para o Exército Brasileiro que recusou a compra dizendo que não precisavam de um tanque daquele tipo.

No setor de armas pequenas a coisa não é diferente, há basicamente duas fabricantes de armas desse tipo no Brasil, uma estatal sob controle do exército, responsável pela fabricação do fuzil IA-2 que foi apresentado com pompa pelos militares como marco de inovação e tecnologia 100% brasileira. A arma, porém, não passava de um belga FN FAL com capas de plástico por cima. O modelo foi adotado como arma padrão do EB e está com a produção praticamente parada há alguns anos.

A outra fabricante é uma empresa privada que controla duas marcas. Uma é a detentora da única planta de fabricação de munições do país, note bem o que falei, disse: a única planta de fabricação, não uma única fabricante, exatamente porque só há um lugar em todo território nacional que se fabrica munições para todas as FFAA e Polícias do Brasil. Quando se abriu a possibilidade para que novas empresas entrassem no mercado brasileiro, foram soterradas por burocracias oriundas do próprio Exército que regula o setor. Expediente semelhante aconteceu com fabricantes de armas pequenas que tentaram se estabelecer no Brasil, durante período do governo Bolsonaro.

As duas empresas enfrentam problemas devido à baixa qualidade e durabilidade de seus produtos, o que obrigou até mesmo órgãos policiais pelo Brasil a substituir seus arsenais por armas importadas de qualidade superior. Um exemplo é o caso da PMESP, situação que só foi possível devido à abertura do mercado.

Por fim, uma questão importante é que a AVIBRAS não produz nada que a China já não produza, nenhuma tecnologia da AVIBRAS é algo espetacularmente inovador ou que nenhum outro país do mundo já não faça ou não possa fazer, e isso não é uma defesa da venda da empresa para o Partido Comunista Chinês, mas sim uma triste constatação de uma realidade trágica do Brasil: não existe indústria de defesa em país que não quer se defender.

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