A OEA deve escolher entre ser uma agência de desenvolvimento com cofres vazios ou uma instituição política com um propósito histórico. Em um continente onde democracias iliberais estão ganhando terreno e onde ditaduras não precisam mais disfarçar sua natureza, não há espaço para ambiguidade.
Desde a sua criação, a Organização dos Estados Americanos (OEA) tem sido uma criatura de seu tempo. No século XIX, a cooperação regional refletia uma mistura de idealismo bolivariano, colaboração jurídica e cálculos geopolíticos. Foi somente em meados do século XX que a OEA adquiriu estrutura institucional, mas não exatamente uma vocação democrática. Fundada em 1948 em Bogotá, seu batismo foi menos um ato de fé na soberania dos povos do que uma resposta à urgência da Guerra Fria. Não é por acaso que seus primeiros pilares foram o Tratado de Assistência Recíproca do Rio (1947) e o Tratado de Solução Pacífica de Controvérsias (1948). Em seus primeiros anos, a OEA serviu mais como uma sala de espera para ditadores do que como um fórum para a defesa dos direitos humanos, com honrosas exceções como a reunião de 1959 em Santiago, Chile, onde foram definidos os elementos essenciais do Estado de Direito, sem os quais não há democracia.
Durante décadas, a instituição refletiu um continente onde a democracia era mais a exceção do que a norma. A Carta da OEA, na época, consagrou o princípio da não intervenção — curiosamente, invocado com fervor por regimes que violavam os direitos de seu próprio povo — como o México, até hoje o guardião zeloso da não intervenção, cujo governo não hesita em interferir nos assuntos internos de outros países para apoiar canalhas como Evo Morales, Pedro Castillo e Rafael Correa.
Foi somente com o fim da Guerra Fria, quando o paradigma bipolar ruiu juntamente com o Muro de Berlim, que a OEA começou a se reinventar. A incerteza era tamanha naqueles anos que, na reunião preparatória para a Cúpula das Américas de 1994, em Early House, Virgínia, houve uma discussão aberta sobre a manutenção, a substituição ou a simples desconsideração de uma OEA que havia emergido da Guerra Fria em estado de abandono. O fato de a Cúpula de Miami, promovida por Bill Clinton, ter sido realizada fora da OEA comprova sua reduzida relevância na época.
Mas a OEA sobreviveu. E, mais do que isso, transformou-se. Graças à liderança de João Baena Soares (Resolução 1080) e, posteriormente, de César Gaviria, a instituição encontrou uma nova direção: tornou-se o centro político e a secretaria do processo de Cúpulas das Américas. Assim, surgiu uma nova arquitetura hemisférica baseada em vários pilares: democracia representativa, direitos humanos, cooperação jurídica, livre mercado e segurança coletiva. O desenvolvimento sustentável foi acrescentado posteriormente, na Cúpula de Santa Cruz, na Bolívia (1996), incorporando preocupações emergentes.
A Carta Democrática Interamericana (CDI) de 2001 representou um marco. Pela primeira vez, reconheceu-se que crises democráticas não eram questões internas, mas violações de um compromisso coletivo. A CDI estabeleceu um arcabouço normativo que transforma a OEA em algo mais do que um clube de debates ou um escritório protocolar. Desde a CDI, nenhum golpe pode ser disfarçado de assunto interno.
No entanto, a história recente mostra que as instituições são definidas não apenas por seus tratados, mas também pela vontade — ou falta dela — de aplicá-los. A eficácia da OEA depende excessivamente do equilíbrio político instável entre seus membros. O princípio do consenso, que exige unanimidade para decisões cruciais, tornou-se um instrumento de paralisia. Em tempos de polarização, a busca pela unanimidade não é uma virtude, mas sim um suicídio institucional.
Apesar disso, por um tempo, a OEA alcançou destaque e algumas vitórias em situações de tentativas de violação do Estado de Direito no Paraguai, Honduras, Venezuela, Peru, Bolívia, Guatemala, Haiti, entre outros. Também desempenhou — e ainda desempenha — papel fundamental em missões de observação eleitoral, mediação e direitos humanos. Houve momentos de relevância. Mas esse ciclo, com seus altos e baixos, parece ter se fechado. Hoje, a OEA parece caminhar para uma forma de irrelevância autoimposta. A eleição de Albert Ramdin como Secretário-Geral marcou uma mudança sutil, mas contundente: voltou a se tornar uma organização de cooperação e “diálogo”. Contudo, desta vez sem recursos, sem liderança e sem vocação política. Se no passado a OEA era um instrumento a serviço dos interesses dos EUA, pelo menos era amplamente financiada (a Aliança para o Progresso). Hoje é um fórum sem fundos, sem funções claras e, pior ainda, sem coragem.
O silêncio da Secretaria-Geral em relação às ditaduras da Venezuela, Cuba e Nicarágua é o sintoma mais eloquente desse novo ethos : um institucionalismo diplomático que evita controvérsias, mesmo quando estas envolvem a demolição sistemática dos direitos e liberdades que afirma defender. O paradoxo não poderia ser mais cruel: quanto mais a democracia se deteriora na região, menor a disposição da OEA em intervir.
O problema não é apenas de liderança, mas também estrutural. A proliferação de mandatos não essenciais, a dependência de fundos voluntários e a duplicação de funções com instituições como o BID obscureceram o perfil da OEA. A confusão de papéis gerou uma organização que tenta fazer tudo – da ciência à descentralização – sem cumprir adequadamente seu propósito: servir como um fórum político hemisférico.
A OEA poderá recuperar sua relevância? Sim, mas não por inércia. Exige decisões ousadas. Primeiro, separar claramente as funções políticas (OEA) das de desenvolvimento e cooperação (BID). Segundo, reformar a Carta para institucionalizar a defesa da democracia, integrando a CDI como parte orgânica do órgão normativo. Terceiro, dotar a Secretaria-Geral de maior autonomia e profissionalismo, com uma equipe técnica sólida. Além disso, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos deve deixar de agir ideologicamente e eleger comissários que atuem com veracidade jurídica, em estrita aplicação do direito internacional, livres de qualquer outra influência de governos ou da sociedade civil.
E, claro, deve reafirmar sua missão central: ser o coração político do sistema interamericano. Isso significa renovar seu compromisso de mediar ativamente crises democráticas; responder prontamente a ameaças às liberdades e aos direitos humanos; e exercer pressão diplomática sobre regimes autoritários, sem medo do custo político.
A OEA deve escolher entre ser uma agência de desenvolvimento com cofres vazios ou uma instituição política com significado histórico. Em um continente onde democracias iliberais estão ganhando terreno e onde ditaduras nem precisam mais disfarçar sua natureza, não há espaço para ambiguidade. Se a OEA quiser evitar se tornar uma nota de rodapé nos livros de história, deve retomar sua agenda de defesa coletiva da democracia. E talvez, como ironia final, lembre-se de que as instituições que sobrevivem não são aquelas que se adaptam ao poder, mas aquelas que ousam desafiá-lo.