O primeiro-ministro da Índia chegou à cúpula com uma mensagem clara para Trump, por receber o maior aumento nas tarifas, apenas comparável ao recebido pelo Brasil. A China poderia capitalizar esse descontentamento.

Enfraquecer a liderança dos EUA foi, sem dúvida, o objetivo mais importante da 25ª cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCS), realizada em Tianjin, China. Xi Jinping, presidente chinês e anfitrião do evento, recebeu seu homólogo russo, Vladimir Putin; o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi; e outros líderes dos países-membros do grupo e convidados.

O retorno do primeiro-ministro indiano — que não viajava à China há sete anos — é o acontecimento mais marcante, coincidindo com a implementação do aumento de 50% nas tarifas impostas pelos EUA como punição pela compra de petróleo russo. Não é coincidência que ele e Xi Jinping tenham prometido uma “dança do elefante e do dragão”, aludindo à intenção de criar “uma nova ordem mundial que desafie o domínio ocidental”.

Para entender a importância deste encontro, vale mencionar que a Índia é o único país a ter recebido um aumento tarifário tão acentuado por ordem do governo Donald Trump, comparável apenas ao Brasil. Este cenário contrasta com o restante dos membros da OCS, que não enfrentam medidas tarifárias tão elevadas. Isso significa que Nova Déli o vê como um gesto de pressão de seu principal parceiro bilateral (só no ano passado, a atividade comercial ultrapassou US$ 191 bilhões, incluindo bens e serviços). Como resultado, analistas estão levantando suspeitas ao ver Modi demonstrando gestos de cumplicidade e camaradagem, compartilhando um carro com Putin a caminho da cúpula ou apertando a mão de Xi Jinping antes do evento.

China aproveita irritação da Índia com Trump

A verdade é que tarifas tão elevadas parecem levar a Índia a buscar outros parceiros, como a Rússia ou a China. Por sua vez, isso permite que o gigante asiático capitalize esse incômodo. Afinal, a relação da Índia com os EUA é comercial e estratégica. Ambos os países se veem como contrapesos ao gigante asiático e cooperam em defesa, tecnologia e diplomacia global. Algo que pode acabar.

Xi Jinping também aproveitou o evento para anunciar a entrega de 2 bilhões de yuans (cerca de US$ 280 milhões) aos países-membros da OCS, além dos 10 bilhões de yuans (mais de US$ 1,4 bilhão) em empréstimos ao Consórcio Interbancário da OCS nos próximos três anos. No entanto, o que chamou a atenção não foi o dinheiro fornecido pela China, mas sim sua intenção de exercer influência geopolítica.

Além da Índia e da Rússia, o bloco inclui Paquistão, Irã, Quirguistão, Cazaquistão, Bielorrússia, Tadjiquistão e Uzbequistão, que juntos representam cerca de 40% da população mundial. Essas são nações que podem influenciar o domínio da China na Ásia e sua relação com o Ocidente. Como observa o analista de política internacional Ignacio Montes de Oca no X, “Modi representa a maior democracia do mundo e tem um desejo de poder que se choca mais com os métodos de Trump do que com os planos de Xi Jinping. A perda da Índia é muito mais problemática do que o erro de cálculo em relação à lealdade entre Rússia e China.”

Cuba celebrou a cúpula da OCS

Devido aos objetivos antiocidentais do bloco, a questão da guerra na Ucrânia foi deixada de fora da declaração conjunta. Durante a reunião, Putin limitou-se a falar dos “esforços” da China, Índia e outros parceiros da OCS para tentar pôr fim à invasão, mas nenhuma ação concreta foi tomada. Isso levou a uma resposta do governo de Volodymyr Zelensky, reafirmando que o bloco busca seus próprios interesses.

Em contrapartida, os parabéns pela cúpula chegaram de Cuba: “Destacamos o mérito deste esforço, que promove a democratização das relações internacionais e constitui a aspiração comum do Sul Global”, explicou o chanceler Bruno Rodríguez, castrista.