Kim disse que execuções públicas por pelotões de fuzilamento eram realizadas aproximadamente duas vezes a cada três meses e que às vezes até uma dúzia de pessoas eram executadas ao mesmo tempo, metade delas por violar a lei que proíbe ideologias e expressões culturais consideradas reacionárias.

Seul, 25 de junho (EFE).- O consumo de séries sul-coreanas é visto como uma ameaça existencial ao regime de Kim Jong-un, que responde com execuções públicas e outras punições extremas que não conseguem conter o crescente impacto cultural do país vizinho entre os jovens norte-coreanos, segundo depoimentos apresentados por desertores nesta quarta-feira em Seul.

Esta semana, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) em Seul iniciou um fórum público de dois dias com desertores norte-coreanos, que foram vítimas e testemunhas de violações de direitos humanos, para documentar a última década de abusos cometidos pelo regime de Kim Jong-un.

O evento faz parte do trabalho preparatório para um relatório especial a ser apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em setembro.

O efeito da COVID na repressão juvenil

Os depoimentos coletados nas sessões, realizadas presencialmente e remotamente, lançam luz sobre o impacto do consumo da cultura sul-coreana, a intensificação da repressão após a pandemia e o endurecimento legal com a promulgação de três regulamentações importantes: a Lei de Rejeição da Ideologia e Cultura Reacionárias (2020), a Lei de Garantia da Educação para Jovens (2021) e a Lei de Proteção da Língua Cultural de Pyongyang (2023).

Essas medidas intensificaram a censura, puniram severamente o acesso a conteúdo estrangeiro e reprimiram qualquer desvio cultural ou linguístico, especialmente entre os jovens.

Os desertores concordaram que a pandemia da COVID-19 marcou uma virada na repressão interna da Coreia do Norte, coincidindo com uma drástica deterioração das condições de vida e a adoção de medidas legais para reforçar o controle ideológico.

Kim Il-hyuk, um desertor que escapou pelo mar em 2023 com sua esposa grávida, disse que conhecia pessoalmente um homem de 22 anos que foi morto a tiros por compartilhar novelas e músicas pop dos anos 1970.

Kim disse que execuções públicas por pelotões de fuzilamento eram realizadas aproximadamente duas vezes a cada três meses e que às vezes até uma dúzia de pessoas eram executadas ao mesmo tempo, metade delas por violar a lei que proíbe ideologias e expressões culturais consideradas reacionárias.

Uma jovem desertora, que falou anonimamente, contou ter testemunhado a prisão de uma mulher grávida e seu parceiro por assistirem a novelas sul-coreanas. “Senti que preferia cometer suicídio a ser executada. Foi por isso que decidi fugir”, disse ela.

Ela também descreveu como, assim como muitos jovens, ela se volta para a cultura sul-coreana, incluindo a música, como uma fuga psicológica da dura realidade do Norte. O impacto cultural da Coreia do Sul sobre os jovens norte-coreanos se reflete até hoje na indústria do entretenimento sul-coreana, com a estreia, neste verão, de 1Verse e Be Boys, os primeiros grupos de K-pop com membros que desertaram do Norte.

As declarações dos desertores são consistentes com um relatório de direitos humanos publicado pelo Ministério da Unificação da Coreia do Sul em junho de 2024, que documenta execuções públicas por consumo ou distribuição de produtos culturais sul-coreanos, bem como buscas domiciliares e monitoramento de celulares por expressões idiomáticas sul-coreanas como “oppa” (irmão mais velho).

A opinião de quem consegue se adaptar ao Sul

Durante a sessão final do fórum, três jovens desertores que agora trabalham como profissionais compartilharam suas impressões sobre a situação atual. O jovem empresário Oh Kwang-myong alertou que a repressão no Norte se intensificou, mas ele tem esperança de que a chamada geração “jangmadang” seja mais individualista e menos obediente ao regime.

A geração Jangmadang se refere aos norte-coreanos que cresceram após a fome da década de 1990, participando desde jovens de atividades econômicas informais, comércio privado e pequenos negócios, em um contexto de economia de mercado não oficial que surgiu fora do sistema estatal.

Por sua vez, Kim Eun-ju, ativista e diretora de relações externas do Instituto de Pesquisa EUM, formado por desertores, lamentou a decisão do governo sul-coreano de desligar os alto-falantes de propaganda ao longo da fronteira, medida defendida pelo novo presidente Lee Jae-myung. “Foi um erro grave. Informações estrangeiras devem continuar a entrar em qualquer formato e em quaisquer circunstâncias”, afirmou.

Embora os painelistas tenham reconhecido o pessimismo atual, marcado pelo colapso total do diálogo intercoreano, pela reaproximação de Pyongyang com Moscou e pela paralisia diplomática com os EUA, eles também insistiram que a conscientização sobre direitos humanos no país cresceu graças a fontes externas. “Essa mudança não veio do regime, veio de baixo”, disse Kim Eun-ju.

Park Dae-hyun, diretor da Woorion, uma rede digital de apoio a desertores norte-coreanos na Coreia do Sul, insistiu, em inglês fluente, que a mudança é possível. “Sinto que o túnel em que a Coreia do Norte vive chegará ao fim”, disse ele. “Tudo o que queremos é que o sofrimento perpetrado por um regime baseado no medo acabe.”